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quarta-feira, 1 de junho de 2011

A BARRIGA CANTOU


A BARRIGA CANTOU

         CASSINDA um rapaz viçoso e muito conversador, nasceu no Curral uma das ruas mais antigas do bairro do São João, na tão aclamada sala de visitas de Angola o “Lobito”. Sua mãe D. Nassalala quitandeira, mulher batalhadora sempre atenta aos passos do filho, cedo o proibiu a andar com outras crianças da rua, com medo de ver seu cassula abdicar-se da escola, evitando desta forma trazer hábitos da rua pra casa. Olvidava o facto dela ser zungueira e o garoto ávido de brincadeira, depois das aulas convidava os seus kambas pr´uma grand´a pelada na Katigela campo adjacente a Igreja de Simão Toco, naquele dia o desafio foi interrompido com um espectáculo nunca vivido pelos garotos, não é que o kota Wale decidiu visitar a velha depois de tanta quitota, na dispensa de três dias o mwadié tirou o helicóptero Hércules da base e rasgou o céu da Catumbela, Akango passando pela Santa Cruz e sem meias medidas imaginem qual a banda que escolheu? O Curral, foi mesmo ali na Katigela levantando muita poeira, as chapas não foram poupadas, casas ficaram todas carecas, do ar conseguia vislumbrar os parcos viteles dos kubicos só as kamambeças pretas como a escuridão, mas veteranas do bom feijão iam mostrando seus marfins, com aquele sorriso de quem anda a procura de ocupação. Kota Wale não deixou os seus préstimos noutra serventia num toque de mágica, pousou o “Barriga de Jinguba” nas costas da katigela como manda o cardápio. Os garotos não se fizeram esperar ignorando os avisos dos mais velhos reuniram-se e formaram um coral idêntico ao da Metodista, batendo palmas, foram cantando:

         Comando, comando, comando
         Artista, artista, artista
         Já ganhou, já ganhou, já ganhou
         Éwé, éwé, éwé
         Oh Wale não nos deixa male
         Éwé, éwé, éwé
         Artista não nos deixa male
         Quem não cantar mãe dele é mbika éwé
         Quem não cantar mãe dele é mbika éwé

         A euforia tomou conta dos kandengues, quando o piloto saiu, que balbúrdia, batiam nas costas do seu herói entoando as mesmas canções, digna de craques como Akwá, Wale desprendia os seus dois metros de altura, caênche, cambayo, bem fardado atavio a rigor, boina na região de capacete na mão e em passos cadenciados não há dúvidas batam palas, ao regresso do “Exterminador Implacável”
         A notícia espalhou-se por toda a cidade, ninguém queria perder o show vieram gentes de quase todas bandas, apareceram os do Chivily, Kapeleta, Elevoko até os do Livala ali na Lixeira Kandimba não puderam se conter e corriam todos atrapalhados em direcção ao local.
         O passa palavra não parava uns diziam no São João caiu avião, ouvi então que na Katigela caiu um tio do avião sem pára-quedas, os mais fofoqueiros afirmavam, no Curral irão construir um aeroporto já experimentaram lá um avião. Era tanta confusão que a visita agendada transformou-se num comício, as perguntas vinham em rajadas, atordoado entrou imediatamente em casa e só saiu com a escolta dos colegas.
         Desde aquela data Curral passou a constar no roteiro turístico de todos kandengues, vinham a pedir desafio com a equipa local, antes das partidas os jogadores olhavam ao céu na esperança de serem agraciados com a vinda do “Barriga de Ginguba” em vão a proeza custou ao Wale a transferência para outras paragens.
         A Katigela passou a existir somente na memória dos garotos, aquele que foi o grande campo de alegria da equipa de Nossa Senhora de Nazaré onde Kamambe, Belomy, Suskay e outros kotas agraciavam o público com bom espetáculo de futebol, deu lugar a uma residência matando o sonho da rapaziada de um dia vibrar nos palancas negras.
         Cassinda e kambas optaram em desbravar as matas da açucareira e depois de alguns mergulhos no katchobwim da bandafora deliciavam-se com os tchisungo de cana que os camponeses colhiam, caso encontrassem um de boa fé oferecia-lhes uma cana inteira. De regresso a casa aproveitavam ajudar as senhoras que vinham das lavras com os seus quibutos na cabeça, como recompensa ofereciam-lhes uma mandioca, batata ou mesmo maçaroca. Acontece que ao passar pela praça da Kalumba  deparam-se com um aglomerado de gente envolvendo um jovem ao meio, tio que passa aqui, perguntou Cassinda, em resposta levou um safanão que o faria desistir da sua curiosidade, sem chances o garoto tinha osso duro de se roer, permaneceu ao lado de duas senhoras que comentavam a cena, consta que o jovem yopirou três mil kwanzas no bolso dum langa este sem dar conta do sucedido foi à uma loja com intuito de comprar tecidos pra fazer um bubú daqueles peculiares, qual foi seu espanto o dinheiro desapareceu! Levou as mãos a cabeça, chorou em lingala namemi ngambo rebolou-se ao chão e criou um óbito jamais visto, mais tarde arrancou um fio de cabelo adicionou sua unha, saliva, lágrimas e rasgou um tecido do seu bolso, num português arrojado disse, - quem robô mo dinherro vá morre, proferiu também algumas palavras na sua língua materna ku fa nyama; os efeitos foram imediatos o jovem começou a sentir ruídos estranhos vindo da sua barriga, mas tarde o som foi aumentando de intensidade ao ponto dos demais ouvirem, a cada estrondo que saia a barriga inchava, procuraram sem sucesso o langa de modo a retirar o feitiço ao jovem, como não o encontraram, a famosa barriga cantora estoirou.
         D. Nassalala esperava o seu filho com um katchitó nas mãos, o garoto prevendo a surra foi logo contar o que vira à mãe, mamã na Kalumba a barriiga de um moço cantou depois rebentou, disseram assim é gatuno, o quê tá ficar maluco né! Já não basta chegar tarde ainda vens cá com truques de mentiroso, na praça a bonho passa pra´qui vais me apanhar umas e boas que te esqueces de um dia sair a rua, quando preparava-se para dar a primeira kactchitoada uma vizinha que passava disse, oh mana ainda larga o miúdo, sabes o que s´aconteceu, hum hum, oh mana não é que estou a vir lá da praça da Kalumba e está cheia de polícias, porquê então mana, a BARRIGA CANTOU. D. Nassalala passou a mão carinhosamente à cabeça de seu filho, não anda mais sair quando a mamã não está em casa ouviste? Tá bem mamã.




Autor: Ndakayesunga
In “experiência literária”
Outubro de 2010
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Fernando Bocoma Pereira Negócio
       

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