A caminho de casa Katwitwi e seu amigo Kinanga, vinham ofegantes da caça à água que há muito se fizera ausente da aldeia de Samba Kajú, os gados, as sementeiras e o verde que dava vida aos aldeões, hospedaram um deserto de fome e muita miséria, todos questionavam a razão por que passavam tanta desgraça quando afinal encontravam-se no mês de Abril época das cheias. Nem o rio Kakuluvale (encontrar nome próprio) foi poupado das garras da seca; a única fonte distava a 5 km da aldeia na embala do soba Cikisikisi, segundo os anciões aquele era um lugar proibido pois guardava a alma do soba que na tentativa de agir a favor do seu povo, amaldiçoou a chuva, como consequência, no mesmo instante caiu uma carga de chuva somente na embala do soba enterrando-o na cacimba que ali havia, com ele foi-se a chuva. Seus restos mortais nunca foram encontrados há quem diga que em noites de lua cheia ouvem-se cantos de chuva na embala, contudo nada se alterou.
Wawé, wawé, gritava aflito Njolela. – O que é que se passa rapaz? Mamã, mamã indicando a sua casa, fale de uma vez pois não conseguimos perceber o que queres dizer. Imediatamente os mais velhos dirigiram-se à casa deste encontrando sua mãe Katumbo, estatelada no chão com uma caneca nas mãos, já não havia solução para a socorrer, mais uma vítima da seca acabara por sucumbir, coitadinha não aguentou a pulungunza de caminhar os quilómetros sem conta a procura da luz da vida.
O medo instaurou-se aldeia afora, até os vizinhos evitavam a todo custo visitar um parente que vivia naquelas bandas, quem assim se procedesse, estava proibido de retornar, de modo a não transportar a maka para a aldeia. Desprovidos de recursos os velhos da aldeia convocaram uma reunião de emergência para se encontrar o antídoto capaz de desfazer aquela wanga.
No dia marcado todos seculos trajados a rigor, com panos e vilambos bem a maneira de Samba Kaju, dirigiram-se à sombra dum embondeiro local minuciosamente indicado e preparado com vinho, mel e uma galinha em oferenda às forças do bem, responsáveis pela resolução de todos dikulos por que a aldeia passou.
- Tufetiki (comecemos)!
O ancião tomou a palavra.
- Ene amakulu (), sabemos a razão que nos trouxe cá no local sagrado, devemos agir antes que a aldeia caia no precipício, o bebé que não chora não mama (traduzir), dessa forma pediremos redenção aos nossos antepassados, otcho owembo lyactho ipite (para que o feitiço seja retirado), porém aquele que tem o poder de falar com os nossos antepassados que passe para frente para nos explicar o plano de derrubar o feitiço.
Não tardou o velho Upesi levantou-se com ajuda da sua bengala e um cachimbo a fumegar na boca. Tinha a fama de ser um grande kimbanda, tratava … Tomando a palavra, disse:
Na luta de elefantes quem sofre é o capim (traduzir). Há muito que tinha conversado com os antepassados, porém nada podia ser feito sem a união do povo da aldeia, a decisão tinha de ser tomada em uníssono para que as nossas preces fossem ouvidas. Precisamos estar atentos aos pormenores, para que não sejamos arrastados à hecatombe.
Povo de Samba Caju! Escutai com atenção a encomenda dos antepassados: óleo de palma, um espelho, unha de morcego, pena de coruja e uma pata de galinha, que deve ser encontrado ainda hoje até ao anoitecer, caso contrário as nossas esperanças irão por água abaixo. Oiçam, só pode recolher o material que acabei de citar um casal que não manteve relações sexuais durante o período que estamos sem chuva.
Notou-se sussurros entre os mais velhos, – ecthi atchoko (assim não dá), ame mba saselîle, nda ecthi oyongola, ndenda kó ame otcho omamu vosi vakale tchiwa (eu não mantive relações sexuais, se assim for irei em prol da aldeia).
Corajoso o seculo Katanha disponibilizou-se a realizar a tão destemida façanha, enquanto o aguardavam, a comunidade empenhava-se em reunir alguns quitutes a ser usado no banquete preparado com afinco, para o dia em que os céus de Samba Caju fizessem brotar gotículas miraculosas afim de se por termo as suas vidas malfadadas. Quando tudo parecia como o desejado, eis que uma notícia triste arruinou a expectativa do povo de Samba Caju, o grande kimbanda Upesi lutava pela vida em sua residência, o ancião padecia de uma febre, seu corpo gemia, transpirava sem cessar, de repente começou a delirar, as palavras vinham aos soluços, fora de sua residência jovens, adultos e crianças intercediam aos antepassados a saúde de seu grande mestre, em vão quanto mais rezavam as febres tendiam a piorar, porém sua esposa que também é conhecedora da medicina natural, observava com muito cuidado as pessoas que ladeavam numa esteira feita de fibra de bananeira, pediu ao povo que permanecesse em silêncio, mais tarde retirou de um cesto, algumas ervas e raízes foi triturando devagarinho no seu almofariz, sua neta foi a busca de água na única vasilha que havia em casa, a anciã retirou uma porção de terra no local por onde jazia moribundo o corpo do marido, adicionou o medicamento e foi untando no corpo deste, no mesmo instante as febres baixaram e seu corpo restabeleceu.
Mal recuperou as forças começou logo a falar: a nossa empreitada para conseguirmos água está sendo prejudicada por alguém que se beneficia do nosso sofrimento, durante o tempo que estive deitado nessa esteira, os antepassados sonegaram-me um segredo, o esforço que está a ser empreendido pelo povo mereceu especial atenção, por isso mesmo antes que as coisas se resolvam devemos arrumar as tralhas que temos na nossa aldeia. Aquelas pessoas que morreram na seca ainda não partiram, estão entre nós, mas a prestarem serviço na casa de uma pessoa muito importante. Reuniu-se novamente com a comunidade adulta de Samba Caju, na altura em que tentava dizer o nome da pessoa que tanto prejudicava o povo, entrou uma senhora a chorar, que passa? Indagou o ancião. Seculo katanha wafa (o velho Katanha morreu), usando toda a sua sapiência e na maior tranquilidade disse: não vos preocupeis, ele está simplesmente cansado da viagem, aguardem até ao dia em que essa trama estiver resolvida que ele retornará, contudo parem de chorar.
Munidos com a bênção dos ancestrais partiram ao encontro do malfeitor, não havia estrelas nos céus somente a lua envergonhada temia em nascer, a caminhada era longa, mas a vontade de agarrar o feiticeiro movia-os até ao destino. Do muro que vedava o quintal era possível vislumbrar quantidades enormes de vasilhas de água, umas cheias e outras vazias, enquanto isso aqueles que pereceram com a estiagem, transportavam sem cessar água à cabeça e os outros cuidavam da horta. Boquiabertos escutavam as conversas dos finados, reclamando as condições por que passavam, sentado num luando com chicote nas mãos estava o ngapa, cujo destino era traçado a escassos metros do seu quintal. De nada desconfiava, relaxado a ordenar os seus fantasmas nos afazeres diários.
…ao aproximarem-se do local o ancião ordenou aos demais que vendassem os olhos, evitando cegar na eventualidade de se depararem com um trovão maligno os olhos estejam protegidos “os olhos dominam a mente”.
Autor: Ndakayesunga
In “experiência literária”
Novembro de 2010
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Fernando Bocoma Pereira Negócio